quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Teste de civilidade

Brasileiro adora viajar pelo mundo e retornar contando, maravilhado, o que viu de bom por lá. Não é por menos: em muitos lugares do planeta há um sem-número de coisas bacanas que não encontramos em terras nacionais (e a recíproca é verdadeira). Entre os itens elogiados, estão as belezas naturais, avanços tecnológicos, gastronomia especial e... noções de civilidade e cortesia. Não se trata de ser puxa-saco de estrangeiros, nem de aderir ao famigerado complexo de vira-lata; o fato é que há alguns costumes que, sim, são mais legais do que os que temos aqui.

O problema é que, em muitos casos, a pessoa que se encanta com a outra realidade não se esforça muito para implementá-la no Brasil. O que costuma ocorrer é um endeusamento do que é feito seguido de críticas intermináveis aos "brasileiros", como se a própria pessoa não fosse ela mesma um brasileiro e pudesse dar a sua contribuição para que as coisas melhorem. Parece ser mais fácil criticar a amorfa e inidentificável categoria chamada "povo" e dizer que "o povo precisa de mais educação". Impreciso, no mínimo.

Pois bem: começa em São Paulo um grande teste para que a população paulistana (e da região metropolitana da capital como um todo, e até de outros locais, já que São Paulo recebe diariamente milhares de pessoas de outros municípios) mostre que quer ser civilizada, que tem noção de coletividade, que se preocupa em aderir ao primeiro mundo de suas utopias. Primeiro com uma campanha "educativa", e agora na base de multas, as autoridades do trânsito de São Paulo vão tentar fazer com que os motoristas da cidade efetivamente respeitem as faixas de pedestre.

Afinal, em São Paulo (e acredito que em tantas outras cidades, aqui e fora) as faixas são apenas meros objetos decorativos no meio das ruas. O pedestre até opta por utilizá-las, mas não existe motorista em sã consciência que pare quando vê alguém pronto para atravessar a rua pisando nas listras brancas.

Como é tudo recente, ainda não temos como aferir se a medida deu ou não resultado (eu torço para que dê). Mas já arrisco uma previsão: um imenso número de motoristas furará as regras, receberá uma multa, ficará indignado com "a indústria das multas" e elogiará a civilidade "que se vê no primeiro mundo". A aguardar.

Abaixo, matéria da Globo a respeito:

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Da pancadaria emerge uma lição

Eu não gosto de MMA. Não chego a ser como meu amigo Eduardo Maretti, que repudia o esporte com todas as forças, mas o fato é que não vejo graça, não me entretenho vendo uma luta do UFC.

Mas independentemente do que eu ache, o fato é que o MMA pegou no Brasil. Deu certo. O esporte é um sucesso. Frequenta capas de jornais e, o mais importante, conversas na rua. Os brasileiros gostam de MMA, os brasileiros assistem ao MMA, os brasileiros têm real interesse no MMA. A prova disso se vê em números. A transmissão do UFC Rio, no final de agosto, deu à RedeTV! a liderança no Ibope.

A ascensão do MMA chama a atenção. Por muitas vezes, nos acostumamos aqui no Brasil a um discurso - e preparem-se, ano que vem é ano de Olimpíada, ele aparecerá fortemente - de que o esporte precisa de "apoio". Por essa análise, é preciso que patrocinadores em geral e, principalmente, o poder público, deem suporte técnico e financeiro a diferentes modalidades esportivas, para que elas possam cair no gosto do público e desenvolverem plenamente seu potencial de formar campeões. Ainda nessa linha de raciocínio, só assim se conseguiria superar a cultura "monoesportiva" do Brasil, onde supostamente só o futebol interessa.

Pois bem, enquanto na maioria dos esportes olímpicos o patrocínio estatal impera - alguém se lembra de algum atleta expressivo que não ostentava as marcas de Petrobras, Caixa, Banco do Brasil ou similares nos uniformes? - o MMA conseguiu caminhar com suas próprias pernas. Seus competidores são financiados por empresas particulares. Anderson Silva, a principal estrela nacional na categoria, tem feito propaganda atrás de propaganda, além de ter se tornado uma figura quase que permanente nos programas esportivos.

É claro que o MMA tem uma gigante estrutura profissional por trás. O negócio gera dinheiro, expressivas quantias, em especial nos EUA, a terra do marketing e dos bons negócios. Ainda assim, não se pode tirar o mérito do esporte. Se uma fábrica de motos ou restaurante fast-food se propõe a ter Anderson Silva como garoto-propaganda dos seus produtos, é porque vê nele um bom chamariz, acredita que ele tem potencial de mercado. "Merece", portanto, ter seu esporte financiado.

A demanda por apoio por parte dos praticantes dos esportes olímpicos é justa - afinal, financiar o esporte é uma obrigação governamental, está na Constituição e tudo o mais. Mas o exemplo do MMA merece ser anotado e ponderado por cada um dos esportistas que irá ao público reclamar por verbas nos próximos meses. Sem apoio governamental, o MMA deu certo. Se consagrou como entretenimento. Será que é "só" de apoio que os outros esportes precisam para caírem no gosto popular?

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre o voto distrital

Tem ganhado força o debate sobre o voto distrital. Há um movimento organizado - que se diz apartidário - de nome #EuVotoDistrital, que mantém um bom site e que almeja o recolhimento de um milhão de assinaturas para que o projeto seja analisado com mais força pelos congressistas.

A discussão sobre o voto distrital é bacana, e por dois aspectos. O primeiro é por ser um debate essencialmente político, no sentido mais preciso do tema. Não se tratam daquelas mobilizações vagas "contra a corrupção" ou "por mais educação e saúde", temas nos quais todo mundo concorda. É uma discussão concreta, em que se apresenta um problema e uma solução prática a ele. A outra virtude é que discutir o voto distrital é algo que vai com precisão a um dos maiores problemas da política nacional, o Poder Legislativo - muitas vezes, a culpa é jogada unicamente nas costas no Executivo, sendo que sabemos que são os congressistas os principais responsáveis por defeitos que aparecem por aí.

Mas apesar dessas virtudes, eu discordo do movimento. Acho que o voto distrital não é uma solução (aliás, serei justo: o site em nenhum momento trata a questão como a panaceia universal; só aponta que algumas falhas serão diminuídas se o sistema for adotado). E aponto isso por dois motivos:

- segundo seus defensores, o voto distrital, por eleger deputados federais ligados a distritos específicos, faria com que os representantes estariam mais próximos da população, que assim poderia cobrá-los com mais eficácia. A premissa é até válida, mas analisemos na prática: nas cidades, com os vereadores, existe tal cobrança? Será mesmo que as populações de municípios de 200, 100 e até mesmo 50 mil habitantes são tão vigilantes assim a ponto de impedirem desmandos? Sabemos que corrupção existe no Brasil em entes de tudo quanto é porte. Acreditar que a população passará a ser ativa de uma hora pra outra apenas por uma questão de "proximidade" é algo utópico demais. E nega o que já acontece na realidade.

- acredito - e isso é uma visão pessoal - que deputados federais não têm que representar "minha cidade", ou "meu bairro". Na Câmara e no Senado se votam assuntos de interesse de toda a nação - acordos internacionais, leis relativas a questões familiares como adoção e casamento homossexual, legislações penais, políticas tributárias... ou seja, a maior parte dos assuntos transcende uma comunidade em especial. Aliás, nestes debates maiores, não se vê - numa suposição - os deputados do Amapá votando de um jeito e os do Rio Grande do Sul de outro, apenas para citar dois extremos geográficos do país. Os parlamentares acabam se posicionando mais de acordo com suas convicções pessoais e outros interesses. A representação atual permite que categorias - evangélicos, homossexuais, esportistas, mlitantes da cultura, etc - elejam seus representantes, o que é muito bom! Esse tipo de vínculo pode ser muito mais forte do que o local, em muitos casos.

Além disso, acho que o movimento se equivoca ao pautar parte de suas críticas ao sistema atual tendo como base algumas distorções - a mais célebre delas a eleição de candidatos que receberam menos votos do que os demais, caso no qual Enéas Carneiro é o maior exemplo. O sistema proporcional, críticas à parte, ainda é válido. Se tivéssemos partidos "pra valer", seria ainda melhor, mas acaba sendo adequado dentro das nossas circunstâncias.

De qualquer modo, vai aí um vídeo do #EuVotoDistrital para que vocês vejam e formulem suas próprias opiniões.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rejeição, mais importante do que a intenção

A Folha divulgou e inúmeros veículos repercutiram pesquisa do Datafolha sobre a corrida para a eleição municipal do ano que vem em São Paulo. A manchete do levantamento seria o fato da senadora e ex-prefeita Marta Suplicy aparecer em primeiro lugar em todos cenários em que ela é a candidata do PT, numa perfeita oposição ao fraco desempenho de Fernando Haddad, o candidato preferido do ex-presidente Lula.

A meu ver, dados sobre intenção de voto pouco ou nada revelam, quando obtidos em um momento tão distante da eleição. É só lembrarmos das eleições presidenciais: Lula venceria no primeiro turno em 1994 e 1998, e Serra faturava fácil em 2010; ainda em São Paulo, Gilberto Kassab dava traço nas pesquisas ainda em 2008.

O eleitorado ainda não pensa na eleição, os nomes não estão claramente definidos e assim acaba sendo natural que as personalidades com mais recall acabem sendo mais beneficiadas.

Não se enganem: Marta ou Haddad, Serra ou Bruno Covas ou José Aníbal, todos eles terão cerca de 30% dos votos quando se apurarem as urnas em outubro do ano que vem. É inconcebível que PT e PSDB tenham percentual tão inferior a esse. Não faz sentido, agora, tratar Fernando Haddad como um candidato minúsculo.

Ao contrário das análises em geral, que viram um bom desempenho de Marta, a visão que tenho dos números é oposta. Porque as manchetes se apegaram à intenção de voto e deixaram de lado os índices de rejeição. Neles, Marta tem 30% - perde apenas para Netinho (PCdoB, 33%) e Serra (32%). Já Haddad nem citado é - o que é natural, já que quem é desconhecido não pode ser rejeitado.

Pouco menos de um terço do eleitorado paulistano, portanto, não votará em Marta de maneira alguma. É muita coisa. É praticamente impossível uma vitória com tal cenário (o que também inviabilizaria a candidatura de José Serra).

A liderança atual de Marta se deve mais ao recall do que qualquer outra coisa. Foi ele, inclusive, que a colocou na dianteira de todos os levantamentos até a apuração do primeiro turno de 2008. Não chega a ser um grande feito. Ou melhor: pode até ser algo considerável, mas é muito menos significativo do que a rejeição que ela tem.