quinta-feira, 27 de julho de 2017

Resumo/análise do artigo "A coordenação federativa no Brasil: a experiência no período FHC e os desafios do governo Lula"

Texto de 2005, de autoria de Fernando Luiz Abrucio. Link para o artigo aqui.

RESUMO

Introdução
O debate sobre a questão federativa no Brasil costuma ser resumido à questão estados versus União e descentralização versus centralização. É preciso ir além disso. O foco deve estar na cooperação intergovernamental, algo ainda pouco feito nos dias "atuais". Cabe destacar que o conceito de cooperação intergovernamental adotado é o de "formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta presentes nas federações".

Essa necessidade de cooperação ganhou relevância nos últimos anos por conta do aumento da complexidade nas relações intergovernamentais, geradas, entre outros, pelos seguintes fatores: expansão do "welfare state", com redução de recursos - necessidade de fazer mais com menos; mais necessidade de conceder autonomia a regiões em que o componente étnico é prioritário; ampliação da relação dos governos com diferentes atores, ainda que fora do setor público - quadro que motiva o fortalecimento dos entes, por conta de se ampliar a capacidade de negociação.

OCDE, em 1997, disse que não se trata de simplesmente centralizar ou descentralizar. A boa gestão caminha nas duas mãos.

O significado da cooperação federativa
A temática da descentralização ganhou força nos últimos 30 anos, pelas questões já mencionadas. Busca-se uma estrutura matricial que funcione de forma adequada - se isso não ocorrer, tensões vão persistir. Cabe destacar que a heterogeneidade que motiva a federação não é necessariamente uma questão étnica ou cultural - largas distâncias ou outros limitadores físicos podem ser considerados (e esse é o caso brasileiro).

Um método para fazer as coisas corretamente é estruturar bem os "checks and balances". São mecanismos que "restringem o poder da maioria". Isso também serve para conter tendências separatistas e regular a (saudável e desejável) competição entre os entes federativos. "O fato é que a soberania compartilhada só pode ser mantida ao longo do tempo caso estabeleça-se uma relação de equilíbrio entre a autonomia dos pactuantes e sua interdependência".

A necessidade da estruturação desse sistema se reforça com a complexidade do mundo atual, e sua transposição de fronteiras e problemas interconectados. "Mais do que um simples cabo de guerra, as relações intergovernamentais requerem uma complexa mistura de competição, coopera- ção e acomodação” (PIERSON, 1995).

É interessante ter em conta o conceito de armadilha da decisão conjunta - quadro que se identifica quando o processo é tão democrático que se torna engessado, pouco móvel, pouco aberto a inovações e traz dificuldade de responsabilizações.

Outro conceito interessante é o "race to the bottom" americano, em que estados diminuem sua carga de serviços sociais de forma a terem menor carga tributária e, em consequência, atraírem mais impostos.

Mecanismos para regular a competição federativa: criar regras que regulem o compartilhamento de tarefas; fomentar os fóruns federativos; criar cultura de respeito mútuo.

A redemocratização e o novo federalismo brasileiro

Brasil viveu, desde a república, ondas de vai e volta no sentido de fortalecimento da União e dos estados. Na República Velha, tínhamos união fraca e estados fortes; Getúlio Vargas, especialmente no Estado Novo, inverteu o quadro; entre 46-64, houve um equilíbrio; ditadura foi, também, centralizadora.

Na época da Constituinte (e mesmo antes), descentralização estava entre as palavras de ordem. Como governadores estiveram entre as figuras de frente das Diretas, as demandas dos estados ganharam muita relevância. Havia, ali, tanto propósitos nobres quanto interesses que oligarcas queriam ver preservados. Com tudo isso, a cooperação intergovernamental ficou em segundo plano. Ficamos, então, entre 1982 e 1994, com um "federalismo estadualista, não-cooperativo e muitas vezes predatório". Isso se materializou, entre outros fatores, com uma forte descentralização tributária e com a possibilidade de estados apresentarem ADINs.

Um ponto interessante que o autor destaca é que, segundo ele, a descentralização foi um estímulo para que os partidos de esquerda passassem a ter mais sucesso eleitoral. Isso porque foram fortalecidas as instâncias locais - de regulação, de acompanhamento de políticas públicas e outros mecanismos - que têm líderes vinculados à esquerda.

O autor apresenta que a descentralização não saneou todos os problemas:

"As conquistas da descentralização não apagam os problemas dos governos locais brasileiros. Em especial, cinco são as questões que colocam obstáculos ao bom desempenho dos municípios do país: a desigualdade de condições econômicas e administrativas; o discurso do “municipalismo autárquico”; a “metropolização” acelerada; os resquícios ainda existentes tanto de uma cultura política como de instituições que dificultam a accountability democrática e o padrão de relações intergovernamentais."

Note-se que entre os efeitos descritos estão dois que entram em contradição entre si: o "municipalismo autárquico" e a "metropolização acelerada". O primeiro preconiza que os municípios são entes soberanos e devem ser vistos como tal. Já o segundo fala da evolução dos problemas urbanos, algo que, em muitos casos, acarreta na transposição de fronteiras.

Mais sobre o municipalismo autárquico:  "o bom andamento da descentralização no Brasil foi prejudicado pelo municipalismo autárquico, visão que prega a idéia de que os governos locais poderiam sozinhos resolver todos os dilemas de ação coletiva colocados às suas populações".

O autor acrescenta que, além disso, há poucos estímulos para os consórcios.

Cabe destacar que, além de tudo, nós temos no Brasil desde a CF-88 regiões metropolitanas mais frágeis do que as que existiam à época do regime militar. E, sim, isso é mais um reflexo do "municipalismo autárquico".

Em suma, "O principal problema da descentralização ao longo da redemocratização foi a conformação de um federalismo compartimentalizado, em que cada nível de governo procurava encontrar o seu papel específico e não havia incentivos para o compartilhamento de tarefas e a atuação consorciada".

Ou seja, a cooperação fica em segundo plano.

Federalismo sob FHC: principais mudanças

Para desenvolver essa linha argumentativa, o autor considera que os efeitos da gestão FHC tiveram início desde a vigência da "era do Real" - algo que se inicia bem antes da implantação da moeda, e que diz respeito a outras decisões econômicas, além de fatores externos ao poder público brasileiro. Caracterizam essa época o aumento de investimentos estrangeiros, o efeito positivo de algumas decisões tomadas nas gestões Collor e FHC, o apoio de diversos segmentos a FHC, etc.

Com isso, a "era do Real", por todos os seus desdobramentos, teve grande impacto na descentralização administrativa brasileira.

Entre os fatores que explicam isso: o fim da hiperinflação, que regulamentou melhor as transferências; a crise nos bancos estaduais; o excesso do gasto com pessoal, que pesa muito nas contas estaduais.

Coordenação federativa na era FHC: avanços, dilemas e problemas

FHC tomou sete medidas para gerenciar a descentralização e coordenar a relação entre os diferentes entes federativos. Entre elas: aliar isso a objetivos de reformulação do Estado; condicionar repasse de recursos à fiscalização da sociedade; mudar a Constituição e criar leis para tal.

Mas, acima de tudo, "o tema central da agenda federativa de FHC foi a questão financeiro-fiscal". As já faladas crise dos bancos e legitimidade do governo FHC, juntas, abriram caminho para que governo reestruturasse o sistema bancário.

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi outra ação neste sentido. Ela disciplinou os gastos públicos e, ao criar regras a serem seguidas por todos os entes federativos, criou normas que vinham "de cima pra baixo". Porém, falhou ao não fomentar as discussões intergovernamentais.

Na área social, a gestão do SUS e o Fundeb foram dois exemplos positivos.

Já nas políticas urbanas foi onde a gestão FHC apresentou suas principais falhas. A metropolização cresceu, a CF continha amarras para a cooperação intergovernamental e o governo FHC não evoluiu, ao não apresentar a criação do Ministério das Cidades e nem propor outras alternativas.

De todo modo, a atuação de FHC foi, no todo, positiva. Principalmente por combater o modelo predatório vinculado ao estadualismo. Além disso, outro mérito foi a implantação de mecanismos diretos de transferência de renda, o que fortaleceu o protagonismo federal.

Os desafios do governo Lula

- oito problemas que permanecem como desafios a serem superados:

  • Mudar o ICMS para neutralizar efeitos da guerra fiscal
  • Fortalecer mecanismos de avaliação de políticas públicas
  • Fortalecer a capacitação de gestores locais e municipais
  • Montagem de uma ordem regulatória das políticas urbanas
  • Ampliação e reforço dos mecanismos coordenadores nas áreas de educação e saúde
  • Aprimoramento das políticas de transferência de renda, vinculando repasses a programas de capacitação
  • Adoção de políticas de desenvolvimento que combatam desigualdades regionais
  • Fortalecimento dos fóruns federativos



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