terça-feira, 21 de setembro de 2010

Roteiro monótono de um debate

"Estamos aqui com mais um debate com os candidatos ao governo do estado. Agora, o Sr. Oposição faz a pergunta ao Sr. Governo.

Sr. Oposição: Sr. Governo, o povo sofre nas filas dos hospitais. Uma consulta demora meses para ser marcada. Há gente esperando nos corredores! Por que, apesar desse horror todo, o sr. ainda acha que merece o voto da população?

Sr. Governo: Sr. Oposição, em nossos quatro anos de governo nós fizemos muito pela saúde. Inauguramos 3.241 postos de saúde, contratamos 2.109 médicos, distribuímos 9.830 remédios. A prova do bom trabalho está em uma pesquisa, que mostra que 75% da população aprova os serviços de saúde.

Sr. Oposição: Então eu pergunto a você, cidadão que está nos assistindo. Você está satisfeito com a saúde? Fica tranquilo quando precisa de um atendimento? Aposto que não! Precisamos mudar!

Sr. Governo: Está perfeito? Não está. Mas já avançamos muito. E tenho certeza que avançaremos ainda mais."

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Troque "do estado" do início do post pela unidade da federação que lhe convir (ou município, ou até mesmo a União). Substitua os nomes "Sr. Governo" e "Sr. Oposição" pelos candidatos que efetivamente estejam ocupando esses papéis durante o debate. E o exemplo da saúde pode ser substituído por qualquer outra área da administração pública - educação, transporte, finanças, ou qualquer uma à sua escolha.

Tem-se aí o roteiro de qualquer debate entre os candidatos do Brasil. Infelizmente. De um lado, candidatos de oposição que apelam para o emocional e para o fato que, no Brasil, os serviços públicos (seja quais forem) estão sempre aquém do que deveriam estar. Do outro, os do governo apostando na linha do "muito já foi feito, mas com o seu voto faremos ainda mais".

E ambos os lados despejando números, estatísticas, informações que acabam sendo irrelevantes para o eleitor.

Da maneira como se dão hoje, os debates servem somente para que os eleitores solidifiquem os votos que já pretendem realizar. Isso tem importância? Claro, é sempre bom cativar o eleitor. Mas talvez seria melhor insistir num debate que almeje a mudança de postura, ou que no mínimo coloque a tal pulga atrás da orelha em quem já havia decidido seu voto.

Como chegar a essa condição é algo de difícil resposta (se fosse tão fácil assim, todo mundo faria). De uns tempos pra cá, virou dogma entre analistas/marqueteiros que a "campanha negativa" mais prejudica o acusador do que o próprio acusado. Sob essa ótica, apresentar críticas fortes ao outro lado sugeriria um certo desespero, e faria com que o eleitor, motivado talvez por dó ou piedade, pendesse para o lado de quem recebe as críticas.

Modestamente, contesto essa visão. Ora, se há denúncias - sólidas, provadas, etc., etc. - por que não apresentá-las? Se há falhas administrativas (e aí não falo de corrupção, e sim de incompetência, promessas não cumpridas e outros temas), qual o problema em escancará-las, em deixá-las evidentes para o eleitor?

A "baixaria eleitoral" que muita gente condena está em devassar a vida pessoal dos candidatos - e não preciso citar exemplos disso, todo mundo tem alguns casos em mente. Agora, quando se trata da vida pública, acredito que isso tem que vir à tona. Sinceramente, mesmo, acho que o eleitor sai beneficiado com isso.

Um comentário:

Júlio disse...

O roteiro previsível, somado a um número até excessivo de debates, provoca o fastio... Isso prejudica até a repercussão dos debates, já limitada por acordos "de cavalheiros" entre as emissoras e os candidatos, mas que é justamente o que mais influencia os eleitores, mas até que os próprios debates...