terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre eleições em meio de mandato

A Folha de S. Paulo publicou ontem boa matéria falando sobre as movimentações para a eleição para a prefeitura de São Paulo, que ocorre no ano que vem. Indiscutivelmente, o pleito do ano que vem tende a ser o mais incerto e equilibrado, talvez, desde a redemocratização.

O PT pode lançar Fernando Haddad, Marta Suplicy ou Aloizio Mercadante; no PSDB, os pré-candidatos são José Serra, José Aníbal, Bruno Covas e Andrea Matarazzo; o nome do recém-fundado PSD é Guilherme Afif Domingos; o PCdoB tem Netinho de Paula; e o PMDB oscila entre Gabriel Chalita e Paulo Skaf. Todos são candidatos competitivos, em maior ou menor grau.

Mas mais do que falar sobre a disputa eleitoral paulistana, gostaria de chamar atenção para outro ponto. Da lista dos pré-candidatos mencionados acima, todos, com exceção de Paulo Skaf e José Serra, ocupam atualmente algum cargo público. E seis deles - Marta, Aníbal, Covas, Afif, Netinho e Chalita - obtiveram o cargo após vitória em eleições anteriores.

Sobre isto que gostaria de centrar o debate, até porque vejo que esta questão costuma ser pouco aprofundada: como a população lida com o fato dos políticos que elegeu abandonarem os cargos na metade (ou antes, ou depois) para buscarem outro posto?

Aparentemente, exemplos nos sugerem que isso não parece ser um problema dos maiores, ao menos não no contexto eleitoral. A trajetória de José Serra é um bom exemplo: foi eleito senador por São Paulo em 1994 e jamais exerceu o cargo, preferindo ministérios no governo FHC; em 2004, foi eleito prefeito de São Paulo e abriu mão do posto dois anos depois, para buscar o governo estadual; foi eleito e não pleiteou a reeleição em 2010, porque foi candidato à Presidência. Ou seja: a população paulista votou em um candidato que neste sentido foi, digamos, "reincidente". A expressiva votação de Netinho de Paula (vereador paulistano, só para lembrar) na eleição para o Senado no ano passado reforça caráter semelhante - de todos os fatores que fizeram Netinho perder a eleição embora tenha liderado por muito tempo as pesquisas de opinião, certamente o fato de ser rejeitado por já ter um mandato foi um dos menos importantes.

O cenário descrito para as eleições paulistanas em 2012 sugere que não deveremos ter o assunto trazido à tona. Afinal, todos os grupos partidários, de uma forma ou de outra, têm "falha" neste aspecto. Mas seria interessante ver o tema ser discutido de maneira mais viva, e mais utilizado nas campanhas eleitorais. É uma arma ainda de certo modo desprezada.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Entrevista com diretor do Partido Libertário, a terceira força dos EUA

Democrata e Republicano, os dois únicos partidos que existem nos EUA, certo? Errado. Embora os dois dominem - com larga vantagem - a política do país de Barack Obama, há outras agremiações de relativo peso que também militam por lá.

O mais forte dentre os outros é o Partido Libertário. A sigla existe desde 1971 e, nestes 40 anos, consolidou sua posição de "terceira força" - detém uma série de mandatos em todo o país, como pode ser conferido em seu site oficial.

O diretor-executivo do partido, Wes Benedict (foto: divulgação), concedeu uma entrevista exclusiva ao Blog Olavo Soares, na qual expôs a visão e a linha ideológica dos libertários. Segundo Benedict, o partido está "igualmente distante" de Democratas e Republicanos - não podendo, portanto, ser comparado a nenhuma das siglas maiores.

De fato, o programa do Partido Libertário é não apenas distante dos partidos que comandam a política local como, de certo modo, foge até do que nós brasileiros estamos habituados a definir como política. Pense em uma disputa eleitoral brasileira, por exemplo. Por mais que os partidos se digladeiem e façam o maior esforço possível para se mostrarem diferentes, ambos dirão que querem "melhorar saúde e educação", não é mesmo?

Pois bem: os libertários não querem "melhorar saúde e educação". Ao contrário, o que eles querem é acabar com saúde e educação fornecidas pelo governo. E com grande parte dos serviços públicos. A filosofia do partido é que o estado deve aceitar que é incompetente para tocar estes serviços, assim delegando-os para a iniciativa privada. Com isso, na visão deles, os impostos se reduziriam drasticamente e a população pobre seria a maior beneficiada.

Para quem está acostumado com a direita clássica, não há muita novidade no dito acima. Então como os libertários se diferenciariam dos republicanos, os mais tradicionais defensores do liberalismo nos EUA? A resposta vem por meio da posição firme que o partido tem em relação a questões como casamento homossexual e uso de drogas - é inflexivelmente a favor de ambos.

Resumindo, a filosofia do Partido Libertário é a do estado mínimo (pela qual está mais próximo da direita) e das liberdades individuais (o que o aproxima da esquerda). Leia a entrevista exclusiva e forme sua opinião a respeito das convicções do partido. Poderiam ser aplicadas no Brasil?

O Partido Libertário completa 40 anos em 2011. Como o partido se vê, 40 anos após a fundação? É uma trajetória de mais conquistas ou insucessos?
Mesmo que não tenhamos vencido muitas eleições, o Partido Libertário gerou um tremendo impacto na política nacional. Recentemente, o congressista Ron Paul (Texas) e seu filho, o senador Ran Paul (Kentucky) alcançaram grande sucesso. Ron Paul foi candidato à Presidência da República em 1988 pelo Partido Libertário. Ainda que ele e seu filho sejam, hoje, republicanos, o Partido Libertário preparou o caminho para seu sucesso e o de suas ideias.

Os EUA se tornaram mais libertários em alguns aspectos, como se pode ver com a expansão dos direitos dos homossexuais e a legalização da maconha, ocorrida em alguns estados. O Partido Libertário esteve à frente dessas disputas. Mas em questões econômicas, infelizmente, impostos e gastos públicos subiram de maneira significativa.

Quais são as principais dificuldades vividas pelo Partido Libertário? Seria o fato dos americanos pensarem apenas nos Republicanos ou Democratas como opção de voto, ou há outras questões?
Democratas e Republicanos fazem um ótimo trabalho, ao convencerem a população a votar “no pior dos dois males”. Além disso, ambos produzem leis que tornam ainda mais difícil a trajetória de um terceiro partido rumo às urnas.

Quais são os objetivos concretos do Partido Libertário? O partido realmente busca a eleição de parlamentares, governadores e até mesmo um presidente da República, ou a ação política tem outras metas?
O Partido Libertário trabalha para promover liberdade. Ganhando ou perdendo, cada voto em um libertário faz diferença. Quando disputamos eleições maiores, como as para governos estaduais ou Presidência, as campanhas têm como primeiro objetivo transmitir a mensagem libertária para o público e forçar Democratas e Republicanos a falarem sobre questões importantes.

A principal bandeira do Partido Libertário é o “governo mínimo”. O que isso significa na prática? O que segue sob controle do Estado, quando da aplicação desta filosofia? Como seriam os EUA com um presidente libertário?
Cortaríamos taxas e gastos públicos, encerraríamos a guerra contra as drogas, acabaríamos com programas como Medicare e Social Security [equivalentes estadunidenses ao SUS e ao INSS], acabaríamos com as guerras no Iraque e Afeganistão, não subsidiaríamos nenhuma empresa, finalizaríamos a educação provida pelo governo – em suma, deixaríamos de fazer quase tudo o que o governo faz.

Legalizaríamos prostituição, casamento homossexual e protegeríamos uma liberdade religiosa que contemplasse todas as religiões. Manteríamos um pequeno exército para defesa, além do sistema judicial e uma polícia suficiente para assegurar a liberdade individual e os direitos de propriedade. Todas as outras questões – e até mesmo algumas dessas últimas mencionadas – seriam oferecidas de acordo com as necessidades de mercado. Acreditamos que os pobres sairiam ganhando com este sistema, embora eu saiba que os políticos tentem nos convencer que os pobres sofreriam sem o governo para ajudar.

Como é a relação do Partido Libertário com as minorias dos EUA – homossexuais, latinos, negros e outros? O partido está mais próximo ou mais distante delas do que Republicanos e Democratas?
O Partido Libertário defende liberdade para todos. Somos o partido mais próximo da comunidade LGBT, além de fortes apoiadores dos ideais de fronteiras abertas e imigração facilitada. O que não defendemos são privilégios específicos para alguma minoria em especial.

Qual é a visão do Partido Libertário para política externa? Um governo libertário, neste sentido, estaria mais próximo do de Barack Obama ou do de George W. Bush?
O partido é antiguerra e a favor do livre comércio e da imigração facilitada. Somos bem diferentes de Bush e Obama nessas questões. Obama, inclusive, nos desapontou bastante com sua postura pró-guerra, ao atacar a Líbia e estimular a guerra no Afeganistão.

Na sua avaliação, a maneira de conduzir a administração pública defendida pelo Partido Libertário poderia ser aplicada em um país pobre? Ou ela é apenas viável para nações que já alcançaram um status melhor de desenvolvimento?
O libertarianismo é o oposto do autoritarismo. A administração pública defendida pelo Partido Libertário faz países pobres se tornarem ricos, e liberta a população oprimida. É ótima para todos – e perigosa para ditadores.

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O site do Partido Libertário tem um quiz no qual é possível verificar se você se identifica com as propostas da sigla. Vale ver o World's Smallest Political Quiz.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pão, circo, emprego e renda

À parte de casos mais polêmicos como a denúncia sobre corrupção no Ministério dos Transportes, um pequeno escândalo eriçou a opinião pública nos últimos dias: a divulgação do fato que o Ministério do Turismo investiu R$ 22 milhões em festas juninas neste 2011 (veja matéria do Congresso em Foco).

Foi a senha para que bradassem os costumeiros sinais de indignação contra o "mau uso" do dinheiro público no Brasil. "Com tanta gente passando fome, com escolas sofríveis e hospitais precários, como que o governo investe em festa junina?", questionaram muitos. Outros já empregaram o irritante chavão do "pão e circo" para dizer que a população brasileira só quer saber de festa e não se importa com a realidade do país.

Hum. Talvez seja o caso de refletir um pouco mais sobre o ocorrido antes de despejar críticas. O primeiro a se fazer é investigar de onde veio a verba - do Ministério do Turismo. O Ministério do Turismo tem como obrigação... investir no Turismo, certo? E o que é investir no Turismo? Conservar museus, cuidar de paisagens naturais, capacitar pessoas e promover eventos.

No Nordeste, as festas juninas geram repercussões de certo modo comparadas às dos carnavais. Movimentam muita gente - e, por consequência, recursos. Não tenho números, mas acredito que o carnaval deve representar um fator importantíssimo para cidades como Salvador e Rio de Janeiro. Sem o evento, municípios como estes passariam por problemas no orçamento. Com as festas juninas, acontece a mesma coisa, talvez em escala menor.

Ou seja: é muito mais que "pão e circo". Investir em festa junina - e carnaval, e rodeio, e festa do leite, e etc - é mobilizar a cidade, garantir renda ao setor hoteleiro, aquecer o comércio e por aí vai. Resumindo, gerar emprego e renda. A obrigação de qualquer governo, estamos de acordo?

Em tempo: há críticas sobre a maneira como essas verbas foram distribuídas (para privilegiar aliados do ministro) e denúncias de corrupção ligadas ao caso. Isso é sério, mas pertence a outro escopo da discussão, completamente diferente. Aí falamos de apadrinhamento e desvio de dinheiro público - o que não muda nada no que tange à importância do objetivo inicial.