terça-feira, 23 de novembro de 2010

Cidades 24 horas

São Paulo registrou ontem (mais) um dia de trânsito caótico. A lentidão superou os 200 quilômetros, e isso apenas nas vias monitoradas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

Foi mais um dia em que os paulistanos e quem circula pela cidade praguejaram contra o governo (seja ele qual for), reivindicaram mais estações de metrô, contestaram as facilidades do mercado para a compra de carros e assim por diante.

Todas, ou quase todas, reclamações justas. Falar sobre o trânsito de São Paulo é um assunto dos mais repetitivos - e chatos, já que as soluções sempre são apresentadas, mas nunca colocadas em prática.

E aí, divagando, pensei que talvez fosse o caso de pensarmos em outro perfil de solução. Claro que as macro são mais eficientes - não há quem discorde que uma São Paulo com o dobro de estações de metrô teria um trânsito incrivelmente melhor.

Mas talvez há saídas que passem por ações que, em tese, não teriam a ver com a circulação de carros propriamente dita.

Uma é o desenvolvimento de regiões mais afastadas da cidade. Se São Paulo é enorme e tem muito trânsito, é porque as pessoas precisam sair de umas regiões e se dirigirem a outras. Como qualquer lugar do mundo, há aqueles bairros com maior atividade comercial/empresarial e outros mais voltados à moradia, os populares "bairros dormitório".

Fazer com que essas regiões deixem de ser somente dormitórios é algo que certamente daria uma cara nova à região metropolitana. A Zona Leste da capital e cidades como Guarulhos, Osasco e Barueri, se dinamizadas, "reteriam" mais seus moradores e colaborariam para uma inversão, ou ao menos redução, no fluxo do trânsito (escrevi sobre isso no Futepoca, quando comentei a decisão de se construir um estádio em Itaquera).

E acho que uma outra via que poderia ser seguida seria a expansão no horário do fornecimento dos serviços da cidade. Em outras palavras, uma São Paulo 24 horas (ou algo mais próximo disso).

Bancos abrindo das 8 às 18, repartições públicas das 8 às 20, shopping centers das 8 à meia-noite, algumas linhas de ônibus e todas do metrô e CPTM non-stop...

"Mas ficará muito caro, porque será preciso contratar mais pessoas e pagar horas extras aos funcionários". Sim, certamente. Mas será que esse investimento não se pagará com o comércio/indústria/serviços funcionando até mais tarde, e consequentemente gerando renda?

O ruim de virar jornalista é que a gente se acostuma a entrevistar fontes e, por isso, ficamos meio temerosos em emitir opiniões próprias. Talvez alguém leia esse texto e vaticine: "quanta bobagem esse cara está falando! Nunca que os gastos pra fazer uma cidade funcionar até mais tarde se compensariam com 'mais vendas no comércio'".

É, talvez. Mas enquanto o metrô não é dobrado ou triplicado, as ruas não têm melhores condições e os ônibus seguem mal-cuidados, o que resta é colocar a imaginação pra funcionar de vez em quando. Pelo menos não polui...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Como seria um Tea Party brasileiro?

Houve recentemente eleições também nos EUA. Lá, "apenas" para o Congresso. O pleito apresentou um resultado que não chegou a ser surpreendente, mas sim impressionante: o Partido Republicano, de oposição a Barack Obama, deu um vareio nos democratas e decididamente complicará a vida do presidente nos próximos anos.

A não-surpresa se deve ao fato de que a popularidade de Obama vinha em declínio já há algum tempo. Ainda assim, é interessante ver como a oposição de lá ressurgiu, após ter sido dada como morta com a vitória de Obama em 2008.

Um aspecto interessantíssimo da eleição atual - mas que não se resume à votação, muito pelo contrário - é a consolidação do movimento Tea Party. Certamente você já ouviu falar sobre este grupo, tachado de "ultraconservador" e de um direitismo que faria George W. Bush envergonhar-se.

Cabe uma reflexão maior sobre o que é o Tea Party, o que eles defendem e a quê se opõem. O "ultraconservadorismo" deles faz referência às noções clássicas de direita e esquerda - e, portanto, a direita por eles apregoada é a do estado mínimo. Em suma: o que eles querem, acima de tudo, é pagar menos impostos. Querem um governo que trabalhe da menor maneira possível e que não se preocupe em estender suas mãos à toda a sociedade. Na visão dos teapartianos, a sociedade americana, historicamente, sempre deu conta de resolver seus próprios problemas, sem depender de um governo que interfira na economia e nas relações sociais para minimizar as mazelas coletivas.

Não há - ao menos explicitamente, claro - conteúdo racista, homofóbico ou anti-diversidade religiosa no Tea Party. Houve algumas manifestações isoladas (um dos seus principais líderes escreveu em seu Twitter ofensas aos latinos com teor muitíssimo similar às do caso Mayara Petruso), mas há uma preocupação grande de suas lideranças para que o grupo não seja visto sob esse prisma.

Outro aspecto interessante sobre o Tea Party é que, ao contrário do que se tem dito, o grupo não é, oficialmente, ligado ao Partido Republicano. É - ou ao menos diz ser - um movimento essencialmente popular, ou "grassroots", como eles dizem lá, numa referência às raízes da grama. Tanto que não há uma liderança formal, um registro oficial, e nem mesmo um website que seja o indicado pelo movimento. É tudo muito difuso.

Seus opositores dizem que o Tea Party de popular não tem nada, e que entre seus financiadores há gente como Rupert Murdoch, o proprietário da abertamente direitista Fox News. Mas aí é difícil cravar uma opinião nesse sentido.

De qualquer modo, o fortalecimento do Tea Party - certamente ouviremos falar ainda mais desse movimento, principalmente pelo fato de que já começam as movimentações para a sucessão de Obama - fez pensar como seria um movimento similar no Brasil.

De fato, não há, aqui, um partido que se assuma de direita. As imensas críticas ao Bolsa Família, que tanto barulho fizeram (e continuam fazendo) na internet não encontraram eco na campanha presidencial - José Serra, talvez o candidato mais ligado à direita, prometeu não só manter o Bolsa Família como até implantar seu décimo-terceiro. O único candidato que se declarou contra o programa foi... Plínio de Arruda Sampaio.

O único paralelo que se pode traçar com o Tea Party é com o famigerado movimento Cansei, que alcançou alguma repercussão aqui em 2007. Ambos foram movimentos "espontâneos", que se declaravam "apartidários" e que criticavam o governo "esquerdista" da vez.

Mas o Cansei não foi pra frente, principalmente pela ausência de propostas concretas (falar mal pode gerar algum Ibope, mas nada que não se esgote rapidamente). Em contrapartida, o Tea Party impressiona e tende a avançar ainda mais nos EUA.

Será que haveria espaço para um movimento direitista, espontâneo e forte no Brasil? A saber.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Vitórias e derrotas femininas em eleições

E então no domingo aconteceu o que as pesquisas já indicavam há tempos: Dilma Rousseff (PT) venceu as eleições presidenciais, derrotando, com larga margem, José Serra (PSDB).

Muito já se falou sobre a vitória de Dilma, em especial sobre o fato dela ser a primeira mulher a chegar à Presidência da República. De fato, é um tabu que se quebra, e é algo cujos efeitos somente se solidificarão daqui a muitos anos.

Gostaria de trazer a vitória de Dilma a outra ótica: a do debate sobre o preconceito nas campanhas eleitorais.


Aos fatos: o Brasil elegeu para a Presidência uma mulher divorciada. Mais: a votação mais expressiva da candidata se deu na região Nordeste, o pedaço do Brasil com os piores índices de desenvolvimento humano.

Volta e meia o Brasil é tido como um país "machista". Desde o excesso de nudez no Carnaval até a baixa presença de mulheres no Congresso, tudo vira argumento para justificar essa opinião.

Mas aí, como dito, o país elege uma mulher divorciada para a Presidência da República. Como fica tudo isso, então?

O necessário a ser feito para compreender a questão é diferenciar o machismo cotidiano do comportamento eleitoral. O primeiro está aí, forte e firme, e não será a vitória de uma mulher na eleição presidencial que irá eliminá-lo.

Já o segundo tem muito mais nuances do que uma análise simplista focada unicamente na questão do machismo poderia traduzir. Em primeiro lugar: Dilma foi eleita, acima de tudo, por ser a representante de um governo muitíssimo bem aprovado pela população. Não há muitas invenções a serem feitas a partir daí. O eleitor costuma votar favoravelmente aos governos que lhe agradam; o governo Lula foi bem avaliado; Dilma era sua representante; então nada mais natural que escolhê-la. Isso transcende a questão da "mulher".

Em segundo lugar, uma mulher na Presidência é um fator novo. E quando falamos de política, essa "coisa" tão rejeitada pela população, novidade sempre cai bem. O povo em geral está cansado dos políticos e da classe política como um todo. E como é o estereótipo do político corrupto? Um homem, de terno e gravata, cabelos ajeitadinhos, fala mansa. Ou seja: uma mulher está do lado oposto disso tudo.

O debate sobre o peso do machismo nas campanhas eleitorais se faz necessário porque, volta e meia, lideranças de candidaturas femininas atribuem ao preconceito toda a responsabilidade pela derrota. Em São Paulo, isso se viu de maneira muito forte quando Marta Suplicy (PT) perdeu, em 2004, a prefeitura para José Serra (PSDB). Apurados os votos e consumada a vitória do tucano, iniciou-se a gritaria: "é por causa do machismo". Ora, uma cidade que havia eleito, anos antes, uma nordestina (Luiza Erundina), um negro carioca (Celso Pitta) e a própria Marta Suplicy, não poderia ter virado machista, reacionária e preconceituosa de uma hora pra outra. Certamente há questões políticas e da campanha propriamente dita que explicam as derrotas de maneira muito mais precisa do que a fácil apelação para o preconceito.

(Foto: Marcello Casal Jr / ABr)