sexta-feira, 29 de maio de 2009

A culpa é nossa

Longa vida à democracia e à liberdade de opinião. Vida curta, curtíssima, à pouca informação e, principalmente, aos conceitos errôneos que se originam por causa dela.

Há poucos conceitos aos quais a situação se aplica tanto quanto aos famigerados Diretos Humanos.

Certamente o leitor já ouviu alguém maldizer os direitos humanos por aí. "Esse povo dos direitos humanos fica tomando conta de bandido, enquanto isso o cidadão de bem sofre"... não é assim? Isso quando não aparecem outros raciocínios do tipo "vai todo mundo tomar conta do bandido e ninguém se preocupa com a vítima...".

E é aí que entra a frase que abre o post. Se uma pessoa acha que "bandido tem tudo que morrer" (ou "bandido bom é bandido morto, na frase clássica"), até vá lá. É uma opinião - da qual discordo, que fique claro - mas não deixa de ser uma opinião. E a sociedade democrática tá aí para que ouçamos opiniões e interajamos com ela de acordo com o necessário.

O preocupante, nesse caso, é colocar os coitados dos direitos humanos como responsáveis pela "proteção ao bandido", de acordo com esse senso.

Tal raciocínio veio à tona ontem, quando a Anistia Internacional soltou um relatório sobre os direitos humanos em todo o planeta. Na parte relacionada ao Brasil, o analista da ONG foi direto ao ponto: "existe um conceito infeliz no Brasil que é que os direitos humanos só defendem bandidos".

Tim Cahill, o responsável por assuntos brasileiros da Anistia, foi além: o conceito de que só "bandidos" são beneficiados "é popularizado e utilizado por pessoas que têm interesse em mantê-lo", de acordo com reportagem do UOL.

Não entrarei nesse mérito. Não sei se tem gente que ganha com isso, nem cabe a mim julgar. Mas que já passou da hora desse conceito ser revertido, isso é verdade. E ninguém melhor pra dar esse passo inicial do que a mídia. Que tal falar que moradia, emprego, saneamento, alimentação - para bandidos e "cidadãos de bem" - são direitos humanos? Que tal ensinar isso na escola, que tal propagar a ideia de que os direitos humanos são algo que, na prática, todo mundo concorda?

Inclusive, a liberdade que um sujeito tem de falar que "bandido tem tudo que morrer" também está inclusa nos direitos humanos, só pra deixar claro...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Reforma? Deixa pra lá

Esqueçam o dito há pouco tempo nesse blog sobre a reforma política brasileira. Noticiário que circula hoje - tendo como principal referência o Blog do Josias - diz que líderes de quatro partidos que inicialmente aderiram ao projeto, PP, PTB, PSB e PR, resolveram voltar atrás e disseram que farão o possível para que os dois principais projetos da reforma, a lista fechada e o financiamento público, não avancem.

Em nome de uma suposta unidade da base, visando 2010, PT e PMDB aceitaram e decidiram também deixar de lado a proposta.

Como eu falei anteriormente, não via com bons olhos a reforma (nesses termos que foram apresentados). Acredito que a lista fechada permitirá uma "caciquização" dos partidos e o financiamento público inibirá a participação individual e não será tão eficaz assim para acabar com os lobbies. Mas, por outro lado, acho complicado ver que uma proposta que no mínimo traria discussão de alto nível foi derrubada por conveniências eleitorais.

Eleição única
Falando em eleições, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) apresentou hoje um projeto curioso, como informa a Agência Brasil: a prorrogação de todos
os mandatos vigentes até 2012, para que assim o Brasil tenha uma única temporada eleitoral.

Mabel justifica sua medida com base nos altos custos que uma eleição representa. De fato, não é pouca grana. Há outra questão, porém, que eu considero primordial: com uma única temporada eleitoral, os governantes teriam mais solidez para trabalhar e não teriam que, ano sim, ano não, ficar com aquela pecha do "é ano de eleição". 

Por outro lado, nem dá para a gente se animar muito: na mesma matéria da Agência Brasil está fala de Ricardo Barros (PP-PR), que praticamente enterra a ideia. “Não vejo consenso sobre isso e acho que isso não vai ser aprovado”, falou o deputado.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vitória de Kassab: triunfo do “agendamento”

Ontem, fui à Universidade Anhembi-Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, para assistir a um evento dos mais interessantes: a apresentação das estratégias de assessoria de imprensa que a agência Fator F usou durante a campanha de Gilberto Kassab nas eleições municipais do ano passado. A apresentação foi conduzida pelos diretores da Fator F Roger Ferreira e Emerson Figueiredo.


Contextualizando: Kassab começou a corrida eleitoral com dois referenciais muito fortes sobre si, um positivo e um negativo. O positivo era o de ser o então prefeito da cidade; e o negativo era ser um nome desconhecido de grande parte do eleitorado, já que ele assumiu a chefia do executivo quando o titular do cargo, José Serra, iniciou sua bem-sucedida trajetória ao governo do estado.

Com base nessas realidades, a meta desenhada pela equipe de comunicação era pautar a mídia. A necessidade disso se explicava pela situação eleitoral: Kassab tinha como principais adversários Marta Suplicy e Geraldo Alckmin, dois peso-pesadíssimos da política paulista. Se não fosse feito um trabalho consistente com a mídia, Kassab sumiria do dia-a-dia da cobertura eleitoral. Capas de jornais e destaques de internet iriam para tudo o que fosse relacionado a Marta e Alckmin, e a candidatura Kassab seria relegada aos rodapés das páginas, junto com as dos nanicos.

Para pautar a imprensa, a assessoria da campanha se baseou em dois argumentos: o primeiro era o fato de Kassab ser o atual prefeito da cidade, e por isso ter consigo uma necessidade latente de cobertura midiática (afinal, com eleição ou não, a cidade precisa saber o que o seu prefeito está sabendo). A outra era a boa costura política que trouxe o PMDB à candidatura de Kassab e com isso deu à campanha tempo de horário eleitoral superior aos candidatos. Além de tudo, era um prefeito que tinha uma boa avaliação e se baseava em bandeiras como a Lei Cidade Limpa, referendada pela maioria dos paulistanos.

De posse desses argumentos, os assessores “martelavam” com os jornalistas o fato de que o candidato Kassab não poderia ser desprezado. Dia-a-dia, os profissionais se esforçaram para imprimir a mensagem que dizia que o candidato “intruso”, a ser ignorado, era Geraldo Alckmin, e não Gilberto Kassab; afinal, todas as campanhas políticas (ao menos boa parte delas) se baseia no duelo situação versus oposição. E quem pode representar melhor a situação do que o próprio prefeito?

Tal tática não tomou corpo com ataques à candidatura de Alckmin. Pelo contrário: mais do que tentar derrubar o tucano, a principal meta era ignorá-lo. Deixá-lo de fora da disputa. O que a campanha buscava era uma polarização com a candidatura de Marta Suplicy – assim, fortaleceria o já citado debate situação x oposição e jogaria a disputa eleitoral para um julgamento da qualidade da administração vigente, acima de qualquer coisa.

Os ataques à candidatura Marta se basearam nos “25 desafios”, série de perguntas que Kassab lançava aos jornalistas cujo mote era promover uma comparação entre sua gestão e a da petista (mais uma vez, focando o debate na aprovação do governo, baseado nos bons números que vinham das pesquisas). Ao enfatizar esses ataques, a campanha acabou por despertar reações adversas da candidatura do PT, que também passou a atacar Kassab – que era o que a campanha do prefeito mais desejava, por trazer a ele os holofotes. Enquanto isso, Geraldo Alckmin era deixado de lado.

Também foi abordada na apresentação a questão de José Serra, que, embora institucionalmente estivesse ao lado de Geraldo Alckmin, sempre desejou uma vitória de Kassab. Roger Ferreira e Emerson Figueiredo enfatizaram que, claro, não se pode desprezar o peso de um governador numa corrida; mas afirmaram que a relevância de Serra na campanha se deu mais por questões políticas do que puramente eleitorais. O paulistano não votou em Kassab por ele ter o apoio de Serra. Votou porque estava satisfeito com a sua gestão, e desejava a continuidade desse trabalho.

Em resumo, a vitória de Kassab, em termos de assessoria de imprensa (claro que eleição se vence ou se perde por inúmeros fatores, os apresentadores não sugeriram que essa é a única explicação para a vitória), se deveu pelo sucesso do agendamento que a campanha do prefeito conseguiu. Mais do que destacar qualidades ou realizações do prefeito, a ambição da equipe era fazer com que Kassab se tornasse pauta, se tornasse visível – em suma, estivesse inserido na agenda da disputa eleitoral paulistana. Com isso, era a vez da boa aprovação do governo se converter em votos (o que historicamente acontece) e administrar as questões do dia-a-dia.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Marca, um emblema derradeiro

O escândalo da vez do Congresso está na disputa pela relatoria do processo de cassação do deputado Edmar Moreira (sem partido-MG). O cargo pertencia a Sérgio Moraes (PTB-RS), que lutou o quanto pôde para mantê-lo; agora, a vaga está com Nazareno Fonteles (PT-PI), mas Moraes pretende acionar até o Supremo Tribunal Federal para que ele não perca a condição.

Seria - e é - apenas mais um bate-boca rotineiro da Câmara dos Deputados. Mas ele explica algumas coisas, elementos que não podem deixar de ser analisados quando vimos como a opinião pública se porta em relação às questões da política.

Em primeiro lugar, analisemos quem é o deputado que originou toda a crise. É o mineiro Edmar Moreira. Pergunte para seu vizinho, para o porteiro do prédio, para um colega de escola, se ele sabe quem é Edmar Moreira. Muito provavelmente, a resposta será negativa. Agora, inverta o questionamento - indague-o sobre o deputado do castelo. Não tenha dúvidas: seu interlocutor saberá de quem se trata.

Edmar Moreira virou "celebridade" por causa do castelo que possui em Minas Gerais e não declarou à Receita Federal. É por isso que está sendo investigado pela Câmara, certo? Errado! O processo que corre contra ele se baseia no mau uso que ele faz da famigerada verba indenizatória - Moreira é dono de uma empresa de segurança e, segundo a denúncia, destinava a essa empresa parte do orçamento de que dispunha.

Acontece que é o castelo que entrou para a história. É essa a imagem que entrou para o dia-a-dia da opinião pública, é isso que aparecerá nas retrospectivas de 2009. O caso nos faz lembrar do ocorrido em 2001 (ou 2002? Se alguém precisar a data, agradeço), quando Roseana Sarney despontava como uma das favoritas para a eleição presidencial mas viu seus planos irem por água abaixo quando uma montanha de dólares irregulares foi apreendida pela Polícia Federal. Ou seja: já havia outras histórias cabeludas por trás dela, mas foi só com a imagem que seu prestígio - e sua candidatura - tiveram um golpe derradeiro>

O outro aspecto a ser destacado não se refere a Edmar Moreira, e sim ao outro sujeito do escândalo atual, Sérgio Moraes. Este entrou para o cotidiano do noticiário (alguém de fora do RS já tinha ouvido falar dele? Eu admito que não) não exatamente pela estranha postura de defender Edmar Moreira, e sim por dizer que estava "se lixando" para a opinião pública.

Ao falar essa expressão, Moraes, mais do que "desrespeitar" a tal da opinião pública, fez algo muito pior para sua carreira: aliou sua personalidade a um bordão, a uma gag que poderá ser repetida por seus adversários sempre que possível. Não importa o que fizer daqui por diante: Moraes sempre será o cara que "se lixa" para a opinião pública.

Lembro de post que escrevi esses dias, sobre Lula e a marolinha. O presidente fez bobagem ao menosprezar a crise, mas bobagem ainda maior a dar à sua opinião uma frase depreciativa que acabou por servir de munição para seus adversários.

Mais um exemplo? Vamos lá. Em 2005, Roberto Jefferson foi à mídia para denunciar um suposto esquema para compra de congressistas. A denúncia fez barulho, acabou por derrubar muita gente do governo e dificultar a reeleição de Lula. Pergunto: será que teria esse mesmo impacto se Jefferson, bom de mídia que é, não tivesse dado a ela o sonoro, marcante e eficaz nome de "mensalão"?

Moral da história: é preciso ter um baita cuidado com as marcas. As que se cria e as que se recebe.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A controversa reforma política avança

A Folha e outros tantos lugares noticiaram: Governo e grandes partidos articulam reforma política.

O projeto, que tramita pelo Congresso com relativas chances de ser aprovado, altera de maneira significativa as eleições no Brasil, em especial as proporcionais. Em suma, ele determina o financiamento público exclusivo de campanhas e o voto em lista fechada.

As duas medidas têm recebido aprovação por aí. Sobre o financiamento, o que se alega é que a questão inibe a corrupção e um vínculo maléfico que o político teria com quem pôs dinheiro em sua campanha. Já quanto à lista fechada, o que se tem dito é que esse sistema favorece a presença de minorias na composição dos parlamentos.

Admito que não sou especialista em nenhum dos dois temas. Portanto, as críticas que seguem abaixo poderão ser facilmente mudadas caso apareçam informações que levem a um sentido oposto. Mas, em um primeiro lugar, acho que as duas reformas não trarão benefícios.

Em primeiro lugar, sobre o financiamento público. Acredito que um dos primeiros efeitos da proposta será gerar um coro de indignação da população em direção à classe política. Se o cidadão comum já repudia o pagamento de impostos, ainda que eles se convertam em benefícios concretos, que dirá custear as campanhas! Sim, hoje em dia há o Fundo Partidário, mantido com recursos governamentais - e, portanto, meus, seus, e de todo mundo. Mas sua participação no financiamento das campanhas não é tão decisivo quanto será o sistema que virá com a nova proposta.

E acredito também que impedir a população, por meio de pessoas físicas e jurídicas, de contribuir com uma campanha eleitoral é um retrocesso dos mais fortes. No ano passado, Barack Obama foi eleito presidente do EUA com uma campanha que se baseou nas doações individuais, de cidadãos que contribuíam com quantias inferiores a US$ 200. É um consenso entre os especialistas que a participação popular é algo que fomenta a democracia. E agora o projeto quer vetar essa iniciativa, resumindo as doações individuais a transferências a um obscuro "caixa partidário"?

Além do mais, não é esse tipo de coisa que irá inibir a corrupção. O caixa 2 tem diminuído significativamente, é verdade, mas jamais desaparecerá das eleições brasileiras (e, acredito, de todo o mundo). 

Quanto à lista, acho que ela não se aplica a um sistema partidário como o nosso em que as siglas são meros instrumentos para a chegada ao poder. Esse sistema somente fará com que caciques dos partidos permaneçam com seus status de privilégio. Além disso, é totalmente desinteressante ao eleitor médio, que vota em indivíduos, e não em partidos e ideologias.

Aguardemos para ver como ficará a proposta. E qual a opinião de vocês?