sexta-feira, 26 de junho de 2009

Reflexões sobre uma cassação

Na madrugada de hoje, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato de Marcelo Miranda (foto), governador de Tocantins. A medida se deu por conta de "abuso de poder político" durante as eleições de 2006.

Há três coisas a se analisar em relação a essa notícia. E nenhuma a respeito da cassação em si, se foi correta ou não, até porque para opinar quanto a isso eu precisaria estar mais inteirado no processo, o que é o caso.

Primeiro ponto: como é que só agora, na metade de 2009, é que o TSE consegue se pronunciar sobre algo que ocorreu em 2006? As eleições foram naquele ano, o ato em questão se concluiu ali, então por que o assunto permaneceu indefinido até agora? E o pior: Miranda ainda permanecerá no cargo até que forem esgotados todos os recursos. Ou seja: daqui a alguns meses, o ano vira, começa o eleitoral 2010 e é capaz da cassação anunciada aos quatro cantos não ter nenhum efeito. Falho em termos de punição é inadmissível se pensarmos que um estado precisa saber se tem, pra valer, um governador ou não.

Segundo ponto: as acusações que pairam sobre Miranda se referem a doações de óculos e terrenos a moradores do estado. Ele alega que, enquanto governador (foi reeleito em 2006), não poderia deixar de trabalhar "apenas" por estar disputando uma eleição. Complicado, não? Repito que não conheço a fundo o caso do Tocantins, mas taí uma questão que o Brasil ainda não conseguiu definir - o que é atribuição do gestor em exercício e o que é "medida eleitoreira". Será que a reeleição realmente cabe por aqui? Ou será que mídia e tribunais exageram ao ver ações supostamente eleitoreiras em trabalhos da rotina de um governo?

Terceiro ponto: esse é mais uma crítica aos jornalistas do que ao processo da cassação propriamente dito. Já vi por aí gente falando que a cassação de Miranda é um "desrespeito à vontade do povo de Tocantins" - assim como o que foi dito quando Jackson Lago (Maranhão) e Cássio Cunha Lima (Paraíba) perderam seus mandatos, e é o que sempre se fala quando um governante é sacado do poder. Tal argumentação é das mais frouxas. Ora, não existe a manifestação correta da "vontade do povo" se as regras de uma eleição são desrespeitadas. Quando uma eleição é falha (repito que não sei se esse é o caso do Tocantins), ela não pode ser interpretada como a verdadeira manifestação dos cidadãos. Simples. Então, se o caso do Tocantins for realmente esse, que se desconsidere a eleição em questão, e que o povo seja ouvido em um pleito justo.

Aliás, nesse último quesito, cabe um paralelo ao mundo do futebol. Há times que disputam campeonatos e acabam rebaixados por terem perdido pontos, punição que receberam por terem escalado irregularmente alguns jogadores. Logo vem a voz dos "justos": "isso é um absurdo, o time ganhou dentro de campo e fora tiraram os pontos, isso é uma imoralidade!". Imoralidade é ignorar uma regra. Se o time está numa competição, tem que seguir os princípios dela - o que inclui estar sujeito a punições caso pise na bola. Neste caso, não cabe o chororô nem a repetição de chavões contra as "viradas de mesa".

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Mudanças fracas, mas melhor que nada

Ontem, deputados se acertaram e anunciaram o que - até agora - será modificado na legislação eleitoral no que se refere ao uso da internet nas campanhas. Um resumo está no blog do Fernando Rodrigues.

Endosso as críticas que o blogueiro do UOL faz às modificações. São mais tímidas do que o que se esperava e também deixam claro que o governo sugere o "não pode nada" simplesmente por não ter condições de fazer uma fiscalização mais correta, mais precisa. E ainda trazem bizarrices como a proibição a candidatos que queiram comprar espaços publicitários em páginas da internet. Ora, qual é - ou qual seria - a diferença de comprar meia página na Folha e um banner no Terra?

Por outro lado, celebro a autorização que a lei dá às doações de pessoas físicas pela internet. Principalmente porque permitirá que o procedimento seja feito de maneira incrivelmente simples, com o interessado fazendo suas contribuições com cartão de crédito ou débito. Como já falei outras vezes, permitir - e incentivar - doações individuais é algo que colabora e muito para a transparência do processo eleitoral e também para que o sentimento de participação seja ampliado. É uma forcinha pra democracia, portanto.

Claro que a cultura do Brasil ainda não contém esse tipo de procedimento. Em épocas de descrença geral na política, quem que tá a fim de dar parte do seu suado salário a um candidato? Mas não é nada que não possa ser mudado com um trabalho bem feito.

Tenho curiosidade de saber como será a postura dos partidos quanto a isso, e se eles realmente estão dando valor à essa possibilidade, ou se preferem as arrecadações pelo sistema antigo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O conceito de GOTV se aplicaria no Brasil?

Textos sobre campanhas políticas dos EUA - como os da Politics Magazine, que assino - sempre mencionam a relevância de um tal "GOTV" no processo eleitoral.

O termo não me parecia claro e admito que o "TV" que compõe a palavra me fazia pensar que se tratava de uma questão técnica, algo como transmissão de imagens, nessa linha. Mas nada que a internet e a Wikipedia não resolvam: descobri que GOTV é abreviação para Get Out The Vote; numa tradução literal, algo como "arrancar o voto".

Nos EUA, o GOTV é feito majoritariamente por instituições não diretamente ligadas a partidos políticos. São grupos que defendem causas como direitos da minorias, aumento da participação política de jovens e imigrantes, entre outros temas. O Rock The Vote, que ficou famoso com o triunfo de Obama no ano passado, é o mais conhecido.

A chave para que esses grupos tenham tamanha relevância no processo eleitoral de lá é o voto não-obrigatório. Afinal, com a participação nas urnas sendo voluntária, é preciso que os agentes da campanha política se preocupem em fazer com que os eleitores se preocupem, em primeiro lugar, em ir até as urnas; posteriormente, em um segundo momento, é que chega a hora de tentar fazer com que a pessoa vote em determinado candidato.

Por essa ótica, talvez seja impossível pensar no GOTV sendo aplicado no Brasil. Porque aqui todo mundo tem que votar, querendo ou não. Mas será mesmo que é o caso de descartarmos em definitivo a ideia?

Eu acredito que não, e explicarei meu ponto de vista. Talvez, para as eleições majoritárias, em que há menos de uma dezena de candidatos e o nome de dois ou três cidadãos manipula o debate eleitoral, realmente não faça sentido.

Mas para as proporcionais, dá pra pensar em GOTV sim. Com a seguinte linha de trabalho: o GOTV, aqui, poderia ser aplicado no sentido de fazer com que eleitores de determinada causa se concentrassem em determinados candidatos, que fossem condizentes com suas propostas. Por exemplo: uma entidade ligada à questão dos deficientes aplicaria o GOTV para que seus simpatizantes se sentissem compelidos a votar - e também a arrancar votos - em um candidato que se encaixasse em sua proposta. Nesse caso, o "get out the vote" se aplicaria no sentido da mobilização que a expressão sugere, e não necessariamente no comparecer ou não às urnas.

No fim das contas, cabe ao GOTV a mesma ótica de outras técnicas de campanha aplicadas nos Estados Unidos: todas são muito válidas, desde que bem estudadas e condicionadas às realidades locais.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Congresso tenta reagir

Na manhã de hoje, o Congresso Nacional lançou a campanha "O Congresso faz parte da sua história". A iniciativa, capitaneada de maneira conjunta por Câmara e Senado, tem como objetivo tentar algo praticamente impossível: melhorar a imagem do Congresso junto à opinião pública.

A linha-mestra da campanha será mostrar aos brasileiros que realizações do Congresso estão presentes no dia-a-dia dos cidadãos. Para isso, as peças mostrarão depoimentos de pessoas beneficiadas por medidas como Lei Maria da Penha, Código Nacional de Trânsito, Código de Defesa do Consumidor e outros.

Numa breve analisada, dá pra dizer que, tecnicamente falando, o trabalho está bem feito. As peças estão bonitas, a mensagem é adequada e, por que não dizer, a causa é nobre. Mas acontece que não há campanha publicitária que consiga reverter milagres. Se a imagem do Congresso vai de mal a pior, não há ninguém mais responsável por isso do que os próprios parlamentares.

O presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP), em discurso realizado ontem, falou que há "perseguição" por parte dos grupos de mídia que querem "roubar" dos parlamentares seu legítimo posto de defensores do povo. Peraí, Sarney. Quando a mídia elenca denúncias sobre a gestão pública - e no caso em que as denúncias em questão são procedentes, bem apuradas, e etc - não há nada de confronto deliberado nem nada desse tipo. Claro, é indiscutível, que existe uma série de exageros por parte da mídia (e isso inclui desde os famigerados grandes grupos até a tal "mídia independente"), mas, via de regra, o que é falado por aí procede sim.

Utopicamente, anseio por outro efeito da campanha: que ela mostre para o cidadão o quanto o Congresso realmente é importante, e que isso faça com que os populares em geral se interessem em fazer com que as coisas mudem - e se interessem de verdade, não somente espalhando emails nem entrando me comunidades no Orkut.

Veja abaixo um dos vídeos da campanha. No site oficial tem mais coisa.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Internet nas campanhas eleitorais

O site IDG Now! traz hoje uma interessante entrevista com a deputada Manuela D'Ávila (PCdoB-RS). Na pauta, o uso da internet nas campanhas eleitorais.

O assunto tem aparecido com mais frequência no noticiário desde o início do mês, quando o também comunista Flávio Dino (MA) apresentou projeto para a liberação da internet nas campanhas. “Sem internet é impossível fazer campanha. A internet é uma praça virtual da pós-modernidade. Não há sentido a legislação continuar neste obscurantismo”, disse Dino ao G1, ao explicar o seu projeto.

Acho que é consenso o fato de que precisa-se ampliar o uso da internet nas campanhas eleitorais brasileiras. O problema - e é aí que mora a aprovação ou não do tema - é a regulamentação da rede. A internet, feliz ou infelizmente, é vista como terra de ninguém e desprovida de um controle oficial. Conciliar isso com o corretamente rígido sistema eleitoral brasileiro, e suas regras bem ditadas para as campanhas, é um problema.

Mas acredito que o posicionamento mais danoso que o Brasil poderia adotar quanto a isso é simplesmente o virar as costas e admitir sua incompetência para gerenciar a questão. Acho - e aí é um palpite de quem está de fora, mas não é tão absurdo assim - que as experiências de outros países estão aí para serem aprendidas. O caso de Obama nos EUA é o mais emblemático. Além dele, certamente em outras nações há um bom mecanismo para uso e controle da internet nas campanhas eleitorais. Por que não estudar o que está dando certo fora e aplicar para a nossa realidade?

Em tempo: a bancada do PCdoB precisa se afinar quanto a esse tema. No podcast citado acima, Manuela D'Ávila cita, além da propaganda, a intenção de estimular a arrecadação de recursos pela internet; já Flávio Dino foi autor de proposta que sugeriu o financiamento público das campanhas. Como já disse aqui anteriormente, fico com a proposta da gaúcha: a arrecadação pela internet, além de transparente, é um baita estímulo para que os cidadãos se sintam mais interessados em participar do processo eleitoral como um todo.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ciro governador de São Paulo: um plano mirabolante

A Folha traz hoje uma notícia que já vem circulando nos últimos dias e que, aparentemente, tem ganhado força: a possibilidade de Ciro Gomes, deputado federal pelo PSB do Ceará, ser candidato a governador de São Paulo nas eleições do ano que vem. A medida, segundo a Folha, serviria para unir o bloco governista em São Paulo - ainda que isso representasse uma não-candidatura do PT - e, de quebra, fazer com que o PSDB não tivesse vida tão fácil assim na tentativa de fazer o sucessor de José Serra.

A hipótese é bem curiosa, e pode ser analisada de diferentes pontos de vista. A eles:

- PT: ter que abrir mão de disputar o governo do maior estado do Brasil - e berço do partido - seria um belo tapa na cara do PT. O partido ficou fragilizado em São Paulo após agressivas derrotas nas últimas eleições. Em 2002, mesmo com Lula tendo sido eleito presidente, Genoino fez apenas figuração no segundo turno contra Geraldo Alckmin; em 2004, Marta Suplicy não conseguiu ser reeleita prefeita da capital; em 2006, Lula perdeu para Alckmin em São Paulo na disputa presidencial e, na corrida ao governo, Serra venceu no primeiro turno; e em 2008, Marta teve uma candidatura decadente e, no segundo turno, mal ofereceu resistência a Gilberto Kassab na disputa pela prefeitura paulistana. Nomes que, anos atrás, figurariam como candidatos naturais do PT passam por fragilidades eleitorais ou foram vítimas de escândalos, como a própria Marta Suplicy e também José Genoino, Antonio Palocci, João Paulo Cunha e outros. Sem esquecer de Paulo Skaf, presidente da Fiesp e que aparecia como possível nome do PSB na disputa pelo governo, mas cujo nome foi sensivelmente debilitado após a deflagração da operação Castelo de Areia da Polícia Federal.

Por outro lado, o PT, talvez já sabendo que não tenha condições de incomodar a supremacia tucana em São Paulo, acabe por agir de maneira inteligente por não investir em uma briga já perdida. Mas não deixa de ser irônica a situação.

- Eleição presidencial: há quem diga que a indicação de Ciro para a disputa do governo paulista seria uma tática do PT para tirá-lo da corrida à Presidência da República. Não vejo sentido nisso. Afinal, uma possível candidatura Ciro só teria força se ela fosse a oficial do governo (o que não ocorrerá, a não ser que a saúde de Dilma Rousseff piore consideravelmente) ou da oposição - outra possibilidade impossível. Fora disso, o Brasil já dá mostras que, para 2010, irá repetir a polarização PT-PSDB que tem vivenciado nas disputas presidenciais desde 1994. Não há sentido em crer que uma candidatura de outra sigla seria incômoda o suficiente para que o PT pense em manobras para realocá-la. Mas é saudável ver o PT se dispondo em abrir mão de uma candidatura majoritária para fortalecer sua base. O partido sempre foi acusado de centralizador, talvez assim sinalize positivamente que está mais apto ao diálogo.

- Sucesso eleitoral?: até segunda ordem, o governador que sentará na cadeira principal do Palácio dos Bandeirantes em 2011 será um tucano. É bem difícil imaginar que o PSDB perca a supremacia que mantém desde 1994 no estado. Aliás, a maior ameaça para o partido hoje, ao meu ver, não está em seus opositores clássicos, e sim no DEM, mais precisamente na figura de Gilberto Kassab (eu apostaria em um ótimo desempenho de Kassab se ele se aventurasse a disputar o governo estadual). O PT está fraco, pelos motivos citados acima, e não há outra corrente com força suficiente para entrar no jogo.

Além disso, gostaria de saber como o paulista reagiria à candidatura de um "forasteiro" nas eleições estaduais. Veja bem que não se trata de uma questão "xenófoba" ou coisa parecida - afinal, se pensarmos de maneira legalista, Ciro é paulista, já que nasceu em Pindamonhangaba, a mesma cidade de Geraldo Alckmin. Mas ele pertence à política do Ceará e sua chegada à São Paulo teria tudo para ser interpretada pelo eleitor como um oportunismo dos mais descarados. Não é a mesma situação, por exemplo, de Luiza Erundina, nordestina de nascimento mas radicada em São Paulo e vivente da política do estado. Em gente com essas características o paulista vota e sem problemas. Questiono é a reação a quem chega ao estado unicamente para a disputa de uma eleição.

Se bem que depois da aprovação aos planos eleitorais de José Serra - que disputou e venceu a prefeitura da capital em 2004 nitidamente para ganhar tempo para 2006, quando foi eleito governador em primeiro turno -, talvez não seja mais o caso de bancar a "consciência eleitoral" do paulista.